21 de abril de 2007

Segunda colheita

Acho que já é tempo de descrever os frutos que tenho colhido mais recentemente graças a esta modesta plantação que alguns amigos têm me ajudado a cultivar. Esta segunda colheita, assim como a primeira, não poderia deixar de ser muito fragmentária, dada a diversidade dos frutos colhidos, que por sua vez reflete, de certo modo, a variedade, real ou aparente, das próprias questões discutidas neste blog ao longo destes quase quatro meses. E, como fiz da outra vez, deixarei de lado as discussões ainda não encerradas.

Parece que algumas pessoas, pelo menos, gostaram do meu post Idéias em gestação. Eu, por outro lado, o considero não apenas o texto mais chato que já escrevi (exceção feita, é claro, aos relatórios de química analítica), mas também o que tive mais dificuldade em escrever. Colocar em palavras experiências tão subjetivas, ou mesmo conclusões racionais baseadas em tais experiências, não é nada fácil, especialmente para alguém tão introvertido quanto eu. Essa minha incompetência basta, penso eu, para explicar o fato de que algumas pessoas aparentemente não compreenderam o que eu quis dizer com esse texto, e inferiram daí que eu estava defendendo alguma espécie de oposição entre razão e emoção no ato do conhecimento. Na verdade, poucas idéias me parecem tão ingênuas quanto aquela de que todo conhecimento verdadeiro só pode ser atingido pela razão "pura", fazendo abstração dos elementos emocionais ou, pior ainda, de todos os demais elementos pessoais. Essa tese só poderia ser sustentada, supondo que pudesse, a partir de uma cosmovisão do tipo que atrai os materialistas, positivistas e outros que adotam uma teoria empirista e cientificista do conhecimento. Para eles, aliás, as emoções, assim como todos os juízos de valor, só podem mesmo ser manifestações subjetivas de algum instinto que, por sua própria natureza, não tem qualquer conexão com a realidade do ponto de vista cognitivo, de onde decorre naturalmente que só podem ser um entrave ao conhecimento.

Esse é um dos desenvolvimentos possíveis do reducionismo, o qual, como deixei claro num outro texto, considero uma desgraça em todos os aspectos possíveis. E, visto que tanto acredito na objetividade dos valores quanto rejeito a tese segundo a qual o conhecimento científico é o único válido, eu não poderia coerentemente tratar a emoção com o desdém com que tantos a tratam. É claro que eu não disse no meu post tudo o que se poderia dizer a respeito desse tema, e muito menos pretendo fazer isso agora. Desejo apenas chamar a atenção para o que eu realmente quis dizer: nossos sentimentos subjetivos não são obstáculos à compreensão da realidade, e sim dados da própria realidade. E, sendo o autoconhecimento pré-requisito para a obtenção de qualquer conhecimento relevante, a compreensão das próprias emoções (e não o desprezo pelas mesmas) torna-se um dos pilares essenciais do progresso intelectual, ainda que o esforço em direção a tal compreensão seja sempre árduo e ocasionalmente frustrante. Foi isso o que eu quis dizer naquele texto.

Para minha própria surpresa, minha crítica da teoria abiogênica suscitou outras reações além das que eu já comentei anteriormente. Meu amigo André Luiz, depois de gentilmente solicitar e obter minha autorização, utilizou os cinco parágrafos centrais do meu texto Mitologia bioquímica para iniciar uma discussão numa comunidade do orkut, a qual acabou rendendo rapidamente um tópico com duzentas e trinta e uma postagens. Não participei dessa discussão, que foi, quase toda, travada entre o André e um certo Gustavo, e girou em torno de uma única afirmação minha sobre a questão da presença de oxigênio na atmosfera primitiva. O mesmo Gustavo (isto é, suponho que seja o mesmo), aliás, também veio comentar aqui no meu blog. Porém, embora esse comentário não contenha nada de relevante e não chegue, na verdade, a fazer sentido, o mesmo não pode ser dito quanto ao debate travado no orkut, que possui muitos aspectos dignos de atenção. E não o comentei neste blog justamente porque não pude ainda dispor de tempo para conceder-lhe a atenção merecida. Mas ainda pretendo fazer isso, nem que seja daqui a alguns anos. A quem porventura tenha interesse nesse assunto peço apenas paciência, mas adianto desde já que minha posição com relação à questão discutida permanece, até o momento, exatamente a mesma.

Quando publiquei aquela breve descrição dos pensamentos de Albert Einstein sobre assuntos religiosos e outras questões do tipo, minha amiga Camila reclamou que havia gostado menos daquele texto do que dos anteriores. Naturalmente, fui perguntar a ela o motivo disso, que para mim não havia ficado claro. Quase todos os motivos possíveis passaram pela minha cabeça: talvez minha interpretação de Einstein estivesse equivocada, ou as opiniões dele é que fossem tão repugnantes que não mereciam uma exposição, ou tão lindas que eu não deveria ter me referido a elas num tom tão desdenhoso quanto o que utilizei num certo trecho. Mas descobri, aliviado, que não era nada disso. Ocorre que a Camila simplesmente não gosta de ouvir falar em assuntos religiosos, por considerar esse tema sem importância e sem qualquer conexão com a realidade ("subjetivo" foi a palavra que ela usou), e por isso achou que eu não deveria ter perdido tempo escrevendo sobre isso. Sendo assim, só tenho a lamentar pela minha amiga, já que, em vista de nossas diferentes concepções sobre a realidade, serei obrigado a desagradá-la ainda muitas vezes. E aproveito-me desse interessante episódio para prevenir outros leitores que porventura sofram desse mesmo problema.

Quando expus de maneira um tanto vaga e superficial as razões da minha revolta contra o reducionismo em suas diversas formas, foi também a Camila quem me chamou a atenção para algo que estava muito mal explicado no texto. Mencionei de passagem uma porção de "ismos" reducionistas, mas não expliquei exatamente o que há de errado com eles. É claro que o leitor precisaria conhecer no mínimo superficialmente essas doutrinas filosóficas para saber a quais aspectos delas eu me referia, ainda que fosse para discordar dos meus juízos. Infelizmente, mesmo uma descrição superficial e parcial de cada uma dessas correntes de pensamento (ou, em alguns casos, de oposição ao pensamento) ocuparia um espaço grande demais para um único post. Enviei um esboço de explicação à minha amiga, mas não o considero de modo algum satisfatório, por deixar de lado diversos pontos muito importantes. No caso do existencialismo, tentei explicar um pouco melhor as razões pelas quais não simpatizo com ele, mas mesmo essa explicação foi apenas parcial e incompleta. Em posts futuros, mais cedo ou mais tarde, tentarei esboçar explicações análogas com relação às outras correntes que mencionei.

Meus comentários sobre os dois poemas extraídos do primeiro livro de C. S. Lewis geraram uma conversa bem rápida com um amigo pelo MSN, a qual me fez sentir a necessidade de fazer mais um esclarecimento. Pela forma como escrevi, não é difícil associar coisas que não estavam de modo algum associadas na minha cabeça no momento em que escrevia. No sexto parágrafo eu afirmei que o primeiro Satan speaks possui semelhanças com o The tyger de William Blake, bem como com uma certa passagem do Baghavad Gita, mas não expliquei direito em que consistem essas semelhanças. No primeiro caso, trata-se do conteúdo dos dois poemas, que descrevem seus respectivos objetos com uma sensação mista de deslumbramento e terror diante da beleza e da crueldade da natureza. Os tons são muito diferentes, mas nem por isso deixa de haver certa correspondência entre as idéias transmitidas nos dois poemas.

Com relação ao Gita, porém, o caso é totalmente diferente. Eu estava pensando, antes de qualquer outra coisa, no aspecto estritamente poético, isto é, na autodescrição através de uma série de associações inusitadas. O que eu tinha em mente era a forma, não o conteúdo. Não era meu objetivo, nesse ponto, fazer qualquer comparação entre o ateísmo de Lewis e algum aspecto do hinduísmo. Só fiz algo parecido com isso dois parágrafos adiante, ao comparar, de passagem, o monismo materialista de Lewis com o monismo espiritualista das escolas vedantinas no hinduísmo e com o sufismo no Islam. E o que eu pretendia ali era apenas apontar que o contraste é absolutamente desvantajoso para o materialismo. Não que eu tenha grandes simpatias pelas versões espiritualistas do monismo, mas considero-as pelo menos dignas de respeito, principalmente pelo que sei sobre Shamkara e pelo que li diretamente de Ibn Arabi.

Finalmente, preciso mandar um recado à última pessoa que comentou neste blog, cujo nome é Chaia. Não é a primeira vez que recebo comentários vindos de alguém que não conheço, mas os desconhecidos anteriores também possuíam blogs ou eram localizáveis no orkut, e eu gosto de interagir com as pessoas que lêem o que escrevo. Por isso, Chaia, caso você volte a passar por aqui e leia este parágrafo, peço que me envie seu endereço de e-mail ou algo assim, para que possamos conversar melhor. Isso, é claro, se você não enxergar nenhum problema nisso.

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