6 de junho de 2007

Ignorância resumida

Depois de escrever neste blog uma porção de textos para falar sobre coisas que sei (ou pelo menos julgo saber), sinto necessidade de mudar por um pouco de rumo e falar sobre o que não sei. A razão disso é simples: agora que concluí a faculdade, tenho sentido cada vez mais fortemente a necessidade de montar um roteiro de estudos que seja adequado ao meu campo de interesses, que não só é razoavelmente amplo como também está em constante crescimento. Pra dizer a verdade, já faz tempo que percebi a necessidade desse roteiro, mas ela vem aumentando consideravelmente na medida em que tomo consciência do tamanho da minha ignorância, e isso tem acontecido de maneira particularmente intensa nos últimos meses. O fato é que a situação tomou proporções tais que tornam impossível resolvê-la facilmente ou mesmo explicá-la num post. A simples listagem dos assuntos a estudar, mesmo resumida, requer um trabalho considerável, de modo que hoje me limitarei a fazer justamente isso, na esperança de que essa lista me ajude a elaborar um plano mais detalhado num futuro próximo. Acho justo avisar desde já que muito dificilmente, segundo me parece, o que vou escrever hoje interessará a alguém além de mim mesmo. Se, apesar disso, resolvo publicar este texto, é apenas porque o próprio ato de escrevê-lo me ajudará a fixar melhor meus objetivos; e, já que terei esse trabalho, não vejo motivo algum para não publicá-lo. O assunto pode não interessar a ninguém, mas também não tem nada de confidencial.

Comecemos, então, pela física. Antes de qualquer outra coisa, eu preciso aprender direito o pouco que deveria ter aprendido durante a graduação. A correria dos finais de semestre, a preocupação com as notas, as disciplinas chatas que exigiam mais atenção do que mereciam e os estudos extracurriculares que impus a mim mesmo constituíram um considerável empecilho ao aprendizado pleno do que realmente interessava do ponto de vista estritamente profissional e acadêmico. O resultado é que não aprendi satisfatoriamente algumas disciplinas, em especial certos tópicos de termodinâmica, mecânica estatística, eletromagnetismo, a teoria especial da relatividade e os formalismos mais recentes da mecânica clássica. Sinto que preciso no mínimo voltar atrás e aprender direito essas e outras coisas. Depois disso poderei voltar-me para o estudo de assuntos um pouco mais avançados que usualmente não são estudados num curso de graduação em física. Minhas pretensões quanto a isso não são muitas. A única coisa que pretendo conhecer em profundidade é a teoria quântica, que considero uma das disciplinas mais belas, agradáveis e interessantes que já conheci. Também preciso conhecer no mínimo os fundamentos da relatividade geral, e um estudo básico de física nuclear e de partículas é inevitável. Sem isso jamais serei capaz de entender qualquer coisa razoavelmente relevante sobre cosmologia, que é um assunto aparentemente interessantíssimo. Se eu conseguir isso, me darei por satisfeito no que diz respeito à física.

Embora eu goste muito de matemática, há pouco nela que me instigue a ir muito além do que já sei. Eu sou, sem sombra de dúvida, um teórico, mas meu gosto pela abstração tem limite, e o curso de física já me proporcionou quase o suficiente para esgotá-lo. Apesar disso, sei que o simples estudo mais aprofundado de física, que descrevi no parágrafo anterior, exigirá conhecimentos de matemática consideravelmente mais vastos que os que possuo atualmente. Mas eu gostaria muito de conhecer mais sobre álgebra linear, bem como um pouco mais sobre métodos de resolução de equações diferenciais, sobre fractais (e tudo o que se relaciona com a teoria do caos) e tensores, bem como alguma coisa sobre teoria de grupos e geometrias não-euclidianas. Mas antes disso tudo preciso corrigir uma falha imperdoável na minha formação atual, que é a quase total ignorância sobre o cálculo envolvendo variáveis complexas.

Com relação a outros campos das ciências naturais, a área onde minha ignorância dói mais é a geologia, em todos os seus ramos; venho adiando o estudo dessa disciplina desde que entrei na faculdade, e o que aprendi a respeito ao longo desses anos caberia tranqüilamente num texto de duas páginas. Isso se relaciona, naturalmente, com meu interesse pela paleontologia, um assunto que também pretendo vir a conhecer muito melhor. E daqui podemos passar diretamente às muitas e problemáticas questões envolvendo a evolução, a genética populacional e questões afins. Também pretendo conhecer mais sobre genética, bioquímica e biofísica. E não posso deixar de lado, é claro, uma das minhas paixões mais antigas, a astronomia, um assunto do qual ando meio enjoado ultimamente, mas ao qual sei que voltarei mais cedo ou mais tarde, como sempre acontece. Mas até mais do que qualquer conhecimento técnico específico das ciências, têm me interessado muito ultimamente as questões históricas e filosóficas relacionadas ao tema. Aliás, considero que a sociedade e a própria ciência progrediriam melhor se certos cientistas, bem como certos leigos, tivessem uma noção mais realista da mesma, e acredito que isso pode ser em grande parte proporcionado por um conhecimento mais aprofundado sobre história e filosofia da ciência.

Porém, uma apreciação decente da ciência moderna do ponto de vista histórico e filosófico passa necessariamente por uma compreensão adequada da Idade Média. Por essa razão, e por muitas outras, considero que o estudo da Europa medieval, em todos os seus aspectos, é uma das minhas necessidades intelectuais mais pungentes. Preciso conhecer a fundo sua cultura, sua arte, sua história, sua sociedade, sua política, sua filosofia e sua teologia, a fim de entender não só os poucos pontos em que ela foi superada pela modernidade, mas principalmente os muitos em que a superou de longe. Em especial, pretendo conhecer os grandes filósofos, teólogos santos e místicos desse período muito melhor do que os conheço agora; homens como Santo Agostinho, Boécio, Santo Anselmo, Pedro Abelardo, São Bernardo de Clairvaux, São Tomás de Aquino, São Boaventura, Duns Scotus e uma infinidade de outros.

A Idade Média exerce sobre mim uma atração especial, mas na verdade não há um único período histórico que eu não precise estudar bastante. Minha ignorância sobre o tema me preocupa, e muito, especialmente quando percebo que não sei coisas que qualquer um com segundo grau completo deveria saber. Eu disse que isso me preocupa, mas na verdade não me envergonha, ou pelo menos não muito, já que meus velhos professores de história estavam menos interessados em transmitir conhecimento histórico do que em encher minha cabeça com lixo ideológico marxista. De qualquer forma, preciso agora reservar algum tempo para consertar essa séria deficiência na minha formação. Necessito urgentemente de um estudo razoavelmente profundo da história de todas as épocas, de todos os lugares, e principalmente das grandes civilizações. Em particular, devo dedicar algum tempo à história brasileira, na qual meu conhecimento é ainda pior que no resto. Mas não pretendo gastar muito tempo nisso, pois não creio que o papel do nosso país na história da humanidade seja algo digno de atenção. Meu interesse pelo Brasil deve-se apenas ao fato de eu ter sido mandado pra cá e nada poder fazer acerca disso.

Quando digo que preciso conhecer a história do mundo, porém, não estou pensando nos grandes acontecimentos de ordem política, social e militar, embora eles também estejam incluídos. Tenho em mente sobretudo os aspectos antropológicos, culturais, intelectuais e religiosos. Nem sei se isso será possível, mas eu gostaria muito de atingir um estado de conhecimento que me permita intuir objetivamente, ainda que de maneira abstrata e algo imprecisa, o modo como pensaram, sentiram e viveram os homens nos mais importantes locais e momentos da história. E isso com respeito a todos os tipos humanos que compõem uma sociedade civilizada: o político, o aristocrata, o soldado, o sacerdote, o artesão, o camponês, etc.

Aqui, naturalmente, cabe ressaltar a importância do estudo das tradições religiosas e intelectuais que formam a espinha dorsal das grandes culturas. É essencial conhecer as obras dos grandes mestres de cada povo: os filósofos, os poetas, os místicos, monges, santos e profetas, e até os homens práticos, governantes e generais. Mais essencial ainda, porém, é conhecer bem as escrituras sagradas das grandes religiões, bem como os mitos de cada comunidade. Pretendo vir a conhecer pelo menos o Alcorão e os hadiths, os Vedas, Upanishads e demais textos sagrados do hinduísmo, o Tripitaka, o cânon páli e outros textos budistas e os grandes livros da religião tradicional chinesa com a mesma profundidade com que atualmente conheço a Bíblia. Não é grande coisa, sem dúvida, mas é suficiente para evitar abordagens simplistas, reducionistas e grosseiramente parciais, abrindo espaço para que os textos falem por si mesmos e exponham suas riquezas.

Acho importante conhecer diretamente os mitos das diversas religiões não apenas pelo aspecto religioso em si, mas também pelo seu valor literário e psicológico, ou seja, enquanto reveladores do espírito dos povos que os compuseram. Aproveito para registrar também, antes de retornar às questões intelectuais e religiosas, que preciso ainda estudar psicologia e antropologia, assim como literatura e disciplinas relacionadas à linguagem. Mas é importante observar que quando falo em psicologia e antropologia não me refiro apenas às modernas escolas científicas ou pseudocientíficas que tratam do tema, embora o contato com elas se me afigure importante e necessário (interessa-me particularmente a psicologia do desenvolvimento); mas refiro-me também ao que se pode encontrar de conhecimento genuíno acerca da natureza humana fora das publicações acadêmicas, como nas tradições religiosas, nos mitos e na literatura. Com relação a esta última há ainda muito que eu preciso conhecer, tanto no âmbito da nossa provinciana modernidade quanto dos clássicos da história literária universal. Provavelmente ainda farei um esforço de aprender a ler em algumas línguas estrangeiras, não apenas pelo meu interesse (ainda não satisfeito) pela etimologia, mas também pelo prazer de ler os grandes textos nas línguas originais. Interesso-me particularmente por literatura inglesa, embora o escritor que eu mais sinta vontade de conhecer a fundo seja Dostoiévski. Mas quero experimentar um pouco de tudo, desde as peças do velho teatro grego até os contos de fadas (que, aliás, ocupam um lugar especial na minha lista de favoritos), sem jamais deixar de lado a poesia em todas as suas manifestações.

O estudo de religiões comparadas também está seguramente nos meus planos. Em particular, interessa-me conhecer mais a fundo a escola perenialista, por sua abordagem da metafísica subjacente aos textos sagrados e por sua aversão ao reducionismo materialista que parece caracterizar muitos dos modernos estudos sobre a religião. Mas a comparação requer o conhecimento dos objetos comparados, de forma que minha ignorância atual não me permite empreender esse estudo. No momento as únicas religiões que me julgo qualificado para comparar são o cristianismo e o judaísmo. Mesmo assim, embora meu conhecimento do pensamento cristão seja muito melhor que o das demais tradições, ele está longe de ser satisfatório. Eu poderia gastar uma vida apenas estudando a teologia protestante, que tem apenas meio milênio de existência, e pretendo de fato vir a compreendê-la muito melhor do que atualmente. Mas também preciso dedicar atenção ao pensamento católico, especialmente aos escolásticos a quem me referi anteriormente. Também pretendo, naturalmente, conhecer a patrística muito melhor do que conheço agora, tanto a latina quanto a grega. Aliás, não sei praticamente coisa nenhuma sobre o sistema doutrinário da Igreja Ortodoxa oriental, e menos ainda sobre as igrejas nestorianas, de modo que também será importante entrar em contato intelectual com esses irmãos remotos.

Mas mais importante que tudo isso é me aprofundar no conhecimento da própria Bíblia, que tenho estudado a vida toda sem jamais ter tido a impressão de que um dia terei estudado o suficiente. Para isso, pretendo lançar mão de todos os instrumentos que estiverem à minha disposição, como arqueologia e história do Oriente Próximo, crítica textual, hermenêutica (e sua evolução ao longo da história) e o aprendizado das línguas originais. Preciso retomar meus estudos de grego, que nunca passaram da superfície (se é que chegaram a atingi-la), e começar a estudar hebraico. Aprender latim também está nos meus planos há algum tempo, embora sua importância para mim resida menos na teologia do que na sua beleza intrínseca, na sua importância para a compreensão da língua portuguesa e no inestimável valor das obras filosóficas que se produziram nessa língua durante a Idade Média.

Por falar nisso, é claro que não posso deixar de dar importância primordial a um estudo mais sério da história da filosofia. O mais importante de tudo, sem dúvida, é conhecer profundamente Platão e Aristóteles; ao menos nada mais poderei fazer enquanto não tiver feito isso. Depois disso poderei passar à patrística e à escolástica, como já apontei antes, sem deixar de lado as contribuições dos grandes pensadores muçulmanos medievais, bem como os hindus. Do hinduísmo, aliás, eu só conheço bem o Vedanta, e mesmo assim não o suficiente; preciso conhecer bem todas as escolas inspiradas nos Vedas. Mas voltemos ao assunto. Uma vez tendo feito isso, não restará muito a estudar. A modernidade ocidental e pós-cristã parece ter contribuído muito pouco para a filosofia. Do século XVII pra cá existem bem poucos filósofos que me parecem dignos de atenção demorada: Leibniz, Husserl, Zubiri e mais um punhado de ilustres desconhecidos. Isso não significa que eu não pretenda estudar o produto de muitas mentes menores, como Descartes, Voltaire, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Heidegger, Bergson, Sartre e tantos outros cuja fama parece-me absolutamente desproporcional aos seus méritos intelectuais, ao menos se comparados aos dos gigantes que citei há pouco. Mas o ponto é justamente esse: se é verdade que esses homens têm pouco a acrescentar do ponto de vista filosófico, não é menos verdadeiro que conhecê-los é essencial para quem queira compreender a modernidade, que fez pouco além de segui-los em sua decadência.

Aliás, também preciso conhecer melhor a história e o conteúdo das filosofias políticas em voga hoje em dia. Não sou mais um ignorante completo sobre o tema, mas ainda há uma infinidade de dúvidas que preciso solucionar. Não faz muito tempo que descobri a óbvia conexão da filosofia e da teologia com a política, isto é, entre o que o indivíduo pensa acerca de si mesmo, do homem, do mundo e de Deus e o que ele julga que deve fazer no mundo em decorrência disso. Mais do que isso, porém, a política me interessa por ser um elemento cada vez mais determinante na realidade humana, de modo que, gostando eu ou não, vejo-me obrigado a conhecer o assunto, sob pena de jamais compreender direito a realidade. O mesmo, aliás, se aplica à economia, mas quanto a esta ainda sou quase tão ignorante quanto sempre fui.

Encerro aqui estas considerações bastante resumidas sobre a minha própria ignorância. Se eu me estendesse em cada um desses pontos acabaria como um amigo que afirmou que precisaria de um blog inteiro para listar os assuntos que desconhece. Acho provável que eu tenha me esquecido de mencionar algumas coisas importantes que preciso aprender. Mas vou parar assim mesmo. O que foi dito já é suficiente para patentear o caráter desesperador da minha situação. Sei que serão necessárias várias décadas, no mínimo, para que eu consiga estudar tudo isso. Ficarei pra lá de satisfeito se conseguir aprender antes da minha morte uma parcela significativa do que acabo de listar. Mas, de qualquer forma, preciso começar a pedir ao Senhor que instale boas bibliotecas no paraíso.

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