18 de julho de 2007

Não apenas o céu estrelado

Aqui vai, com umas poucas adaptações, o segundo texto que escrevi no segundo semestre de 2005 para atender os requisitos da disciplina Filosofia e ética. Este é sobre a filosofia moral de Immanuel Kant. Considero-a seriamente deficiente em vários pontos importantes, assim como o restante do pensamento kantiano, mas não deixa de ter seus pontos positivos. E, de qualquer forma, serve como informação, em vista da inegável importância de Kant para a filosofia contemporânea.

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Este breve texto se propõe a explicar como Kant define e caracteriza aquilo que ele denomina "imperativo categórico"; isso será feito através de um resumo das duas primeiras seções de sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes, com ênfase especial sobre a segunda seção.

A reflexão de Kant tem como ponto de partida a moralidade comum, popular; seu objetivo é analisar de maneira mais atenta os princípios dessa moralidade a fim de identificar seus fundamentos racionais, já que para Kant a moralidade humana baseia-se na razão, e não, como pretendiam Rousseau e Hume, na emoção. O filósofo alemão tomava por concedido que a moral popular era acertada, não tendo qualquer pretensão de modificá-la, e muito menos de substituí-la por outra coisa; ele esperava apenas fundamentá-la racionalmente e, dessa forma, fortalecê-la.

Kant inicia sua reflexão notando que nada existe que seja absolutamente bom, exceto a boa vontade. Tudo o mais depende do uso que disso se faz, não sendo, portanto, necessariamente bom; nessa categoria o filósofo inclui a felicidade, negando, em oposição a Aristóteles, que ela seja um bem em si. Isso se coaduna melhor com outros aspectos da filosofia de Kant, como veremos adiante. Por ora basta dizer que para Kant essa "boa vontade", cujo conteúdo ainda não está determinado, relaciona-se com o dever, que é outro conceito importante em sua filosofia moral. O filósofo sustenta que a boa vontade genuína é aquela motivada unicamente por um senso de obrigação moral, ou seja, de dever, independentemente de quaisquer fatores práticos ou subjetivos envolvidos numa ação. Nenhum ato é virtuoso por si mesmo; o que lhe confere dignidade moral é a natureza de sua intenção. Um ato pode estar de acordo com o dever, mas se seu praticante o executa por interesse ou para satisfazer suas próprias inclinações, e não simplesmente por saber que deve exercê-lo, então não há virtude em exercê-lo.

Conseqüentemente, o valor da ação não está na satisfação que proporciona ao agente ou na obtenção do êxito em alcançar o fim proposto, mas tão somente na obediência a uma máxima, um mandamento. Com base nessa conclusão, Kant define o dever como "a necessidade de cumprir uma ação por respeito à lei". Aqui se vê que a moral kantiana é fundamentada diversamente da aristotélica, pois esta tem em vista o problema prático de como atingir a felicidade, enquanto aquela é fundamentalmente baseada em princípios que necessariamente independem de objetivos práticos.

Porém, dizer apenas que o homem deve respeitar a lei moral não basta para orientar o indivíduo nas suas ações do dia a dia. Essa afirmação de nada vale se não for possível saber quais são os preceitos dessa lei moral, e é a esse problema que Kant se dedica a seguir. A partir daqui, porém, a investigação tem um fim exclusivamente prático, pois o autêntico respeito do homem pela lei deve, por sua própria natureza, ser incondicional, isto é, independente do conteúdo da mesma. Seu fundamento consiste puramente no fato de que é uma lei, expressa na forma de um mandamento. A moral kantiana é formalista, pois nela o conteúdo é secundário em relação à forma.

De forma coerente com seus princípios idealistas e objetivistas, anteriormente defendidos na Crítica da razão pura, Kant afirma que a lei moral deve ser universalmente válida, isto é, aplicar-se igualmente a todos os homens e em todas as situações. Essa é a primeira coisa que se pode saber sobre a lei moral; e daí Kant deduz outra característica da mesma, de enorme importância para o juízo moral prático: ao ponderar sobre se uma dada conduta é boa, o indivíduo pode decidir a questão perguntando a si mesmo se seria desejável, ou mesmo possível, que todos os homens procedessem daquela mesma maneira. Esse critério de universalidade, se constantemente aplicado, permite evitar uma infinidade de atos que violam a lei, tais como o suicídio e a mentira, que, se universalmente aplicados, acabariam por colocar um fim a si mesmos. Kant afirma que esse critério tem a vantagem de não exigir sabedoria teórica para sua aplicação; qualquer ser provido de razão é capaz de aplicá-lo a qualquer situação dada. E o filósofo crê, na verdade, que toda a humanidade de fato aplica esse critério, embora muitas pessoas o façam de maneira mais ou menos inconsciente.

Kant prossegue dizendo que, dada a sua afirmação anterior de que a virtude só depende da intenção, segue-se que a mera observação dos "bons" atos de um homem não permite jamais extrair logicamente a conclusão de que o homem em questão é virtuoso. Não se pode demonstrar que um ato, embora de acordo com o dever, foi de fato praticado pelo simples respeito ao dever. Dessa forma, o dever não é um conceito empírico, ou seja, não tem origem no mundo dos fenômenos, e não se fundamenta nele. Essa idéia concilia-se com o idealismo kantiano, pois aponta para o fato de que o valor do dever não se condiciona à situação concreta da decisão moral, e tampouco à nossa capacidade de atingi-lo.

Para Kant, o que distingue os seres racionais dos demais seres é a sua capacidade de agir conscientemente de acordo com leis, bem como sua capacidade de não seguir essas leis. Nesse sentido a lei moral é evidentemente de natureza diversa das demais leis do universo, embora não seja menos real que elas. E isso é importante porque o homem não é um ser exclusivamente racional, já que seus apetites e interesses concorrem com a razão na tentativa de determinar o curso de suas ações. Dessa forma, a lei moral se apresenta ao homem como um mandamento que exige a subordinação desses aspectos concorrentes. Existe um elemento de coação presente na relação entre a lei moral e o indivíduo humano; por isso o filósofo dá aos preceitos morais o nome de imperativos.

Kant distingue os imperativos em duas categorias: os hipotéticos e os categóricos. Os primeiros dizem respeito a ações dirigidas a um fim prático, e por isso mesmo, em acordo com as concepções já delineadas, não podem ter valor moral. Este advém necessariamente dos imperativos categóricos, que, em princípio, não oferecem nenhum benefício prático para os que lhes obedecem, ou pelo menos não devem ser obedecidos por esse motivo. Se, como já foi exposto, a lei moral caracteriza-se, como todas as outras leis, pela sua universalidade (que é a única coisa concreta que se pode saber a respeito da mesma), segue-se que só existe um imperativo categórico, que Kant apresenta nas seguintes palavras: "Procede apenas segundo aquela máxima, em virtude da qual podes querer ao mesmo tempo que ela se torne em lei universal." Dessa definição geral extraem-se outras três definições logicamente equivalentes, mas dadas sob perspectivas diferentes.

A primeira definição baseia-se nas idéias previamente esboçadas, embora ainda não tenha sido enunciada. Com base na compreensão da lei moral como algo objetivo e universal, Kant define o imperativo categórico da seguinte forma: "Procede como se a máxima de tua ação devesse ser erigida, por tua vontade, em lei universal da natureza." Isso significa que, como já foi dito, nossas ações devem se pautar, com base no critério de universalidade, por dois princípios: primeiro, caso passassem a ser compulsórias, elas deveriam produzir um universo isento de contradição. Segundo, a lei natural estabelecida de tal forma deveria ser desejável. Se uma lei universal baseada em uma ação particular minha não puder produzir um universo lógico, ou se eu não desejo que uma lei universal advenha daí, então essa minha ação é moralmente errada.

A segunda definição provém do fato de que a boa vontade, a vontade virtuosa, é motivada por um fim objetivo, a saber, um fim que tem valor universal e que não se baseie em algo externo a si mesmo. E para Kant, que fala de uma perspectiva humanista, apenas o homem, como ser racional, é um fim em si. Se não fosse, diz ele, nada restaria no universo que pudesse preencher esse papel, de forma que o imperativo categórico estaria impedido de existir. De acordo com essa linha de raciocínio, formula-se a segunda definição do imperativo categórico: "Procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio." De forma que, se a vida humana é tratada ou manipulada como um meio para obter outra coisa qualquer, então se trata de uma atitude moralmente errada, pois constitui uma inversão de papéis: o fim é tratado como meio e o meio como fim.

A terceira definição é dada pela conjunção das implicações lógicas das duas primeiras: o homem está sujeito à lei moral; mas, sendo um fim em si, e não um meio, ele não pode ser logicamente encarado como mero alvo da lei moral; é necessário postular que o homem é também o autor da mesma. Dessa forma, a vontade humana é vista como inteiramente autônoma, o que responde à questão de saber por qual motivo deve o homem obedecer à lei moral. Se a lei fosse imposta de fora, então apenas o interesse poderia motivar a obediência, e nesse caso não haveria virtude de fato. Kant soluciona esse problema afirmando que o homem deve cumprir a lei porque ele próprio a propôs. Daí decorre a terceira definição do imperativo categórico: "Agir somente segundo uma máxima tal... que a vontade possa, mercê de sua máxima, considerar-se como promulgadora de uma legislação universal."

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