26 de julho de 2007

O desejo de saltar

Neste post e no próximo, que pretendo publicar amanhã ou depois, vou fazer algo inédito neste blog: publicar textos que não são de minha autoria. Às vezes encontro textos muito bons, e não muito grandes, que valem o esforço da tradução. E, não havendo problemas de direitos autorais ou algo do tipo, eu vou mesmo fazer isso de vez em quando. É claro que eu não perderia tempo traduzindo algo já traduzido; nesse caso, encontrando uma tradução na internet, o máximo que eu faria é recomendar o texto em questão e colocar um link para ele. Aliás, vou postar aqui qualquer hora dessas uma relação de textos interessantes vinculados a assuntos que já discuti.

Seguem-se seis cartas escritas no final de 1950 e início de 1951. Três delas foram escritas por um jovem estudante agnóstico, Sheldon Vanauken, e as outras três foram redigidas em resposta por um professor de meia-idade, cristão convertido do ateísmo, C. S. Lewis. Nenhuma das cartas é longa, e todas elas, apesar das diferentes perspectivas apresentadas em rápida sucessão, têm em comum a preocupação com a relação entre o cristianismo e a racionalidade, mas sem descer aos pormenores filosóficos, históricos e psicológicos da apologética comum. O resultado é um belo diálogo, do início ao fim. Vou postar hoje a primeira carta de cada um. Dentro de alguns dias publicarei as outras.

Primeira carta de Vanauken

Escrevo por um impulso - que pela manhã poderá parecer tão arrogante e presunçoso que eu deva destruí-lo. Mas uns poucos momentos atrás eu senti que havia embarcado para uma viagem que algum dia me levaria a Deus. Mesmo agora, cinco minutos depois, estou inclinado a adicionar o qualificativo "talvez". Há um passo que eu não posso dar; ocorre-me que você, tendo-o dado, tendo ligado a certeza ao cristianismo, poderia, não dá-lo por mim, mas dar-me uma dica de como se deve fazê-lo. Tendo sentido o apelo estético e histórico do cristianismo, tendo começado a estudá-lo, tomei consciência da força e "possibilidade" da resposta cristã. Eu gostaria de acreditar nela. Eu quero conhecer Deus - se ele for cognoscível. Mas não consigo orar com alguma convicção de que Alguém ouve. Não posso crer.

Muito simplesmente, parece-me que algum poder inteligente fez o universo e que todos os homens devem conhecê-lo, axiomaticamente, e devem sentir reverência diante da infinitude desse poder. Parece-me natural que os homens, conhecendo e sentindo assim, tentem elaborar a partir dessa simplicidade - os profetas, o Príncipe Buda, o Senhor Jesus, Mohammed, os brâmanes - e assim surgiram as religiões do mundo. Mas como pode apenas uma delas ser distinguida como verdadeira? Para um visitante inteligente de Marte, o cristianismo não pareceria apenas uma em uma hoste de religiões?

Eu disse no começo que eu senti que estava trilhando uma longa estrada que um dia me levaria ao cristianismo; devo, então, acreditar de algum modo que ele é a verdade. Ou ocorre apenas que eu quero acreditar nisso? Mas, ao mesmo tempo, alguma outra coisa em mim diz: "Querer crer é o caminho para a autodecepção. A honestidade é melhor que qualquer conforto fácil. Tenha coragem para encarar o fato de que todos os homens podem ser nada para o poder que fez os sóis."

Ainda assim eu gostaria de crer que o Senhor Jesus é de fato meu misericordioso Deus. Para os apóstolos, que puderam falar com Jesus, isso deve ter sido fácil. Mas eu vivo em um "mundo real" de ônibus vermelhos, meias de nylon e bombas atômicas; tenho apenas o registro de supostas experiências com a divindade feito por outros. Nenhum anjo, nenhuma voz, nada. Ou, sim, uma coisa: cristãos vivos. De alguma forma você, neste mesmo mundo, com os mesmos dados que eu, é mais significativo pra mim que os bispos do passado fiel. Você efetuou o salto do agnosticismo à fé. Como? Eu não sei exatamente como me atrevo a escrever isto a você, um ocupado professor de Oxford, e não um sacerdote. Na verdade eu sei: você serve a Deus, não a si mesmo; você deve fazê-lo, se é um cristão. Talvez, se eu tivesse discernimento para ver isso, minha resposta esteja no fato mesmo de que eu escrevi.

Primeira carta de Lewis

Minha própria posição quando estive no umbral do cristianismo foi exatamente o oposto da sua. Você deseja que ele seja verdadeiro; eu esperava fortemente que não fosse. Ao menos esse era o meu desejo consciente: você pode suspeitar que eu tinha desejos inconscientes de um tipo muito diferente e que foram eles que finalmente me empurraram para dentro. Certo: mas então eu posso igualmente suspeitar que, por baixo do seu desejo consciente de que ele seja verdadeiro, espreita um forte desejo inconsciente de que não seja. O que resulta disso é que todo o pensamento moderno, embora possa ser útil para explicar a origem de um erro que já se sabe ser um erro, é perfeitamente inútil para decidir qual de duas convicções é o erro e qual é a verdade. Pois (a) Nunca se conhecem todos os desejos de alguém, e (b) Em questões muito grandes, como esta, mesmo os desejos conscientes estão quase sempre empenhados de ambos os lados. O que eu penso que pode ser dito com certeza é isto: a noção de que todo mundo gostaria que o cristianismo fosse verdadeiro, e que portanto todos os ateus são homens corajosos que aceitaram a derrota de todos os seus mais profundos desejos, é simplesmente um absurdo descarado. Você acha que pessoas como Stalin, Hitler, Haldane, Stapledon (um escritor muito versátil, aliás) se agradariam em levantar de manhã e descobrir que não eram seus próprios mestres, que elas têm um Mestre e um Juiz, que não havia nada, nem nos mais profundos recessos de seus pensamentos, acerca de que elas poderiam dizer-lhe "Fique de fora! Propriedade privada. Isso é assunto meu"? Você acha? Ratos! Sua primeira reação seria (como foi a minha) de raiva e terror. E eu tenho muita dúvida de que mesmo você acharia isso simplesmente agradável. Não é a verdade esta: que isso satisfaria alguns de nossos desejos (que nós na verdade sentimos bem raramente) e ultrajaria uma boa quantidade de outros? Então deixemos pra lá o assunto dos desejos. Ele nunca ajudou ninguém a resolver problema algum.

Não concordo com seu retrato da história da religião: Cristo, Buda, Mohammed e outros elaborando a partir de uma simplicidade original. Eu creio que o budismo é uma simplificação do hinduísmo e que o Islam é uma simplificação do cristianismo. A religião clara, lúcida, transparente e simples (Tao mais um deus obscuro e ético ao fundo) é um desenvolvimento posterior, normalmente surgindo entre pessoas altamente educadas em grandes cidades. O que você realmente tem no início é ritual, mito e mistério, a morte e o retorno de Balder ou Osíris, as danças, as iniciações, os sacrifícios, os reis divinos. Contra isso estão os filósofos, Aristóteles ou Confúcio, dificilmente alguma forma de religião. Os únicos dois sistemas em que os mistérios e as filosofias se juntam são o hinduísmo e o cristianismo: aqui você tem ambos, Metafísica e Culto (em continuidade com os cultos primevos). Eis porque meu primeiro passo foi certificar-me de que ou um ou o outro tinha a resposta. Pois a realidade não pode ser uma que apela apenas aos selvagens ou apenas aos intelectuais. As coisas reais não são assim (e.g., a matéria é a primeira e mais óbvia coisa que encontramos: leite, chocolate, maçãs, e também o objeto da física quântica). Está fora de questão a hipótese de um mero aglomerado de religiões desconexas. A escolha é entre (a) O retrato materialista do mundo, em que eu não posso crer. (b) As reais religiões arcaicas e primitivas, que não são morais o suficiente. (c) A (pretensa) realização delas no hinduísmo. (d) A pretensa realização delas no cristianismo. Mas a fraqueza do hinduísmo é que ele não une de fato os dois fios. A irredimível religião selvagem prossegue na aldeia, o eremita filosofa na floresta, e nenhum realmente interage com o outro. É apenas o cristianismo que compele um intelectual como eu a participar de um banquete ritual de sangue, e também compele um convertido da África Central a tentar um iluminado código de ética.

Você alguma vez tentou ler The everlasting man, de Chesterton? É a melhor apologética popular que conheço.

Enquanto isso, a tentativa de praticar o Tao é certamente a linha certa. Você leu os Analectos de Confúcio? Ele termina dizendo: "Este é o Tao. Eu não sei se alguém alguma vez o observou." Isso é significativo: pode-se de fato ir diretamente daí à Epístola aos Romanos.

Não sei se algo disso tudo é de alguma utilidade. Fique à vontade para escrever novamente, ou telefonar, se você achar que posso ser de alguma ajuda.

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