24 de dezembro de 2007

Emergência

Entre os meus planos para a celebração do Natal deste ano estava a publicação, neste blog, de um poema acompanhado de uma breve reflexão pessoal ao menos vagamente relacionada a ele. Tendo esse objetivo em mente, eu havia selecionado e digitado o poema, feito uma tradução do mesmo (já que foi composto em inglês) e escrito minha breve reflexão, deixando tudo pronto antecipadamente para hoje apenas postar o texto. Vejo-me, no entanto, forçado a alterar meus planos, em vista do fato de que, distraído como sempre, ao fazer as malas hoje pela manhã para vir a Piracicaba passar o Natal com meus pais, esqueci de pegar o pen drive onde eu havia cuidadosamente armazenado o texto alguns dias atrás. Nada surpreendente, já que, ao longo desses quase seis anos morando em São Carlos e voltando para casa em média a cada duas ou três semanas, creio que apenas uma vez eu consegui não me esquecer de nada. (E mesmo naquela ocasião, desconfio eu, pode ser que eu apenas tenha tido a sorte de esquecer algo que não me lembrei de procurar quando cheguei aqui, de modo que o segundo esquecimento anulou o efeito do primeiro.) E, não tendo trazido para cá o livro de onde retirei o poema, e tampouco estando com paciência para reescrever minha reflexão, resolvo guardar aquela postagem para o Natal de 2008.

Mas isso não significa que eu pretenda deixar passar em branco este Natal. Apenas fui obrigado a acionar o plano de emergência, que é, no entanto, significativamente semelhante ao anterior, pois consiste apenas em mudar de poema. Este que transcrevo abaixo foi retirado de um livrinho chamado Presente para o menino, um dos primeiros (e infelizmente poucos) livros de poesia que li na minha vida, e que está numa das estantes da casa dos meus pais desde tempos imemoriais (ao menos para mim). Para ser mais exato, o livro contém não apenas vinte e duas poesias, mas também duas dramatizações e sete contos natalinos. A autora, Myrtes Mathias, publicou-o em 1968, com as seguintes palavras, na folha de rosto, que deixam claro o seu objetivo:

Não faças do teu coração hospedaria
onde lugar para Cristo não havia;
dá lugar a Deus neste Natal.

O curto poema que escolhi é o que mais me impressionou quando li o livro, nem sei dizer há quanto tempo, e seu conteúdo me impressiona ainda hoje, por ser parte essencial da sempre surpreendente mensagem cristã. As expressões utilizadas na parte inicial devem muito à linguagem profética do Antigo Testamento, como poderá perceber sem dificuldade o leitor familiarizado com a leitura da Bíblia, enquanto mais para o final aparecem alusões, embora algo mais veladas, a passagens cruciais do Novo Testamento. Mas não me deterei nessas questões estilísticas, e muito menos pretendo explicar o significado do conjunto, que é bastante claro por si mesmo. Farei apenas algumas breves considerações sobre dois aspectos da doutrina cristã expressos nesse poema.

Havia entre os judeus, quando Cristo chegou, uma infinidade de expectativas conflitantes quanto ao sentido em que deviam ser entendidas as velhas profecias sobre o Messias. Devemos reconhecer que cada uma delas tinha algumas boas razões para sustentar-se. E, no entanto, os atos de Jesus contrariaram cada uma, ao menos parcialmente, e houve certos aspectos fundamentais da sua missão que todas essas linhas de interpretação mostraram-se incapazes de prever. Não há necessariamente nenhum demérito nisso, e é bom lembrar que a própria Igreja levou vários séculos para compreender, na medida do possível, a obra de Cristo numa perspectiva histórica adequada. Quanto mais estudo a escatologia cristã e a história do cristianismo, mais me convenço de que temos muito a aprender com os erros dos velhos escribas judeus. Cristo não cumpriu todas as profecias messiânicas; deixou parte delas para o fim dos tempos. Em virtude disso, vivemos no presente uma tênue antecipação da glória futura em constante luta contra as trevas da velha dispensação, cuja derrota já foi decretada, mas ainda não totalmente concretizada; vivemos, em suma, a tensão entre o "já" e o "ainda não", como diz uma expressão clássica da teologia protestante. Mas, enquanto esperamos, vigiamos e oramos, não nos esqueçamos que, assim como ocorreu na primeira vinda, os sinais do futuro retorno podem não corresponder inteiramente às nossas expectativas. Peçamos a Deus que nos dê a capacidade de manter abertos os nossos espíritos para o discernimento desses sinais.

O outro ponto importante aparece na parte final do poema, que contrasta as atitudes e os destinos daqueles que reconheceram em Cristo o fundamento de sua esperança e de suas aspirações mais nobres com a dos que se fizeram seus inimigos. Muitas pessoas hoje em dia suprimiriam, se pudessem, essa porção nada agradável da mensagem cristã. Mas quando nós, cristãos, apregoamos essa parte juntamente com o resto, não o fazemos em tom de arrogância, e tampouco de ameaça, mas sim como o simples reconhecimento de um fato. O sábio Simeão estava certo quando, antecipando as palavras do próprio Senhor, declarou que o menino que tinha nos braços estava destinado "tanto para ruína como para levantamento de muitos". O retorno de Cristo em poder não será agradável aos que não honraram sua primeira vinda, realizada em fraqueza. Compreende-se o motivo pelo qual, no culto de Natal de que participei ontem, na minha igreja em São Carlos, o pregador (o tão querido reverendo Naor) afirmou que só quem teve seu encontro com o Senhor Jesus tem bons motivos para celebrar seu nascimento. Não obstante, muitas pessoas que não tiveram essa experiência pessoal com Deus usufruíram e continuarão a usufruir as bênçãos menores que ela trouxe à humanidade, mesmo que sejam bênçãos tão corriqueiras quanto um feriado alegre na companhia de pessoas queridas. Como disse o padre Antônio Vieira em um de seus mais famosos sermões, a Palavra de Deus faz efeito mesmo quando não frutifica.

Sendo assim, desejo que o Divino Aniversariante, que é a própria Palavra encarnada de Deus, conceda a cada um dos leitores a graça de sua própria presença, que é a melhor coisa que existe, assim como o discernimento necessário para o reconhecimento desse fato. Feliz Natal a todos!

O esperado

Quando Ele vier,
Deus prometeu,
esmagará a cabeça da serpente,
destruirá o mal.

Quando Ele vier,
disseram os profetas,
servirá de refúgio contra a tempestade,
de esconderijo contra o vendaval.

Quando Ele vier,
cantaram os poetas,
terá as nações como herança,
e as extremidades da terra Ele receberá.

Quando Ele vier,
sonhavam os oprimidos,
não apagará a torcida que fumega,
a cana quebrada não esmagará.

Quando Ele vier,
esperava o mundo inteiro,
será Luz dos gentios,
no deserto bravio, uma nova canção,
com lagos e fontes
e, nos vales e montes, paz e união.

Mas quando Ele veio,
sem trono, sem exército,
sem ouro, sem rumor,
nada mais que um Menino,
decepcionou a muitos,
a todos que esperavam um real Senhor.

É certo que os anjos cantaram
e que uma estrela diferente atravessou o espaço,
mas os homens estavam muito ocupados na terra,
para olhar o céu.

Poucos.
Muito poucos O reconheceram.

A estrela percorreu o seu caminho
e desapareceu no tempo;
os anjos terminaram seu canto
e voltaram ao céu.

Só o Menino ficou.
Para crescer e para amar.
Para compreender e lançar os alicerces
do seu incompreendido reino da Paz.

Ficou para morrer.

Para dividir os homens em dois grupos,
nas duas paralelas que atravessam a História
para só se encontrarem
no grande dia da volta,
ajoelhados diante dele.

Quando os simples,
os que olharam o céu
e reconheceram a Estrela;
que ouviram o canto dos anjos
e aceitaram a mensagem,
repetirão seu hino de alegria e gratidão:

"Glória, glória, aleluia,
vencendo vem Jesus!"

Quando os outros,
os que não creram
e não O aceitaram,
erguerão seu alucinante grito de socorro,
sua desesperada e tardia
profissão de fé:

"Eras Tu, Jesus, e não Te recebemos."

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