Terminei a primeira parte deste texto trazendo à atenção do leitor uma questão que precisa ser respondida: por que as Escrituras, os apóstolos e o próprio Cristo apresentam sua morte e ressurreição como parte essencial de sua missão entre os homens, predeterminada pelo Pai? A pergunta de Cristo na cruz quanto à causa de seu abandono é, dentre outras coisas, a do justo que sofre a injustiça nas mãos dos perversos, e é por isso mesmo que as palavras do salmo 22 se ajustaram tão bem àquela ocasião. Devemos agora prosseguir buscando o que é ensinado na Bíblia sobre o motivo subjacente a uma aparentemente tão grande inconsistência.
O Antigo Testamento, mais uma vez, oferece o substrato necessário à compreensão da vida de Jesus. Este disse aos discípulos, em Lucas 22.37, que sua morte iminente era o cumprimento de outra passagem profética: "Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: 'Ele foi contado com os malfeitores'. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido." A passagem citada encontra-se em Isaías 53.12, o versículo final de um trecho que começa em 52.13 e descreve os sofrimentos de um personagem identificado como "o servo" do Senhor. Cristo afirmou, portanto, que essa é mais uma referência profética a ele mesmo. O texto de Isaías afirma também a pureza de Cristo, que "foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca" (53.7) e "nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca" (53.9). O texto descreve ainda, com brilho comparável ao dos salmos já citados, os sofrimentos de Cristo: "seu aspecto estava mui desfigurado, mais que o de outro qualquer" (52.14); "nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido" (53.4); "Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso" (53.3). Além disso, o texto menciona várias vezes, de modo muito explícito, a realidade da morte de Cristo: "como cordeiro foi levado ao matadouro" (53.7); "foi cortado da terra dos viventes" (53.8); "designaram-lhe sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte" (53.9); "derramou a sua alma na morte" (53.12). Mas a passagem não deixa de mencionar a posterior exaltação de Cristo, que já foi exposta no post anterior: "será exaltado e elevado e será mui sublime" (52.13); "causará admiração às nações, e os reis fecharão a boca por causa dele" (52.13); "verá sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos" (53.10); "Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito" (53.11); "Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo" (53.12). Devidamente analisada, essa passagem deixa clara a ressurreição de Cristo e a honra que recebeu do Pai após ter passado por sua morte humilhante, exatamente como está explicitado nas passagens já citadas do Novo Testamento. E o texto vai além, declarando precisamente aquilo que constitui a motivação principal desta postagem. Logo depois de asseverar a perfeita justiça de Cristo, Isaías afirma: "Todavia, ao Senhor agradou moê-lo" (53.10). É muito impressionante a maneira pela qual essa curta passagem profética sintetiza tudo o que foi dito até aqui.
Mas não citei todos esses trechos de Isaías 52 e 53 apenas para mostrar isso. O texto, na verdade, vai além, e revela, mais de uma vez, a motivação subjacente a tudo o que é descrito: "Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si" (53.4); "Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" (53.5); "o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos" (53.6); "por causa da transgressão do meu povo, foi ele ferido" (53.8); ele deu "a sua alma como oferta pelo pecado" (53.10); ele "justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si" (53.11); ele "levou sobre si os pecados de muitos" (53.12). A clareza e a abundância dessas afirmações são inequívocas: Cristo sofreu a punição por pecados que não eram os dele.
A teologia cristã deu a isso o nome de "expiação vicária", e aponta para ela como o meio pelo qual somos reconciliados com Deus. O próprio Cristo, mais uma vez, declarou que esse era o objetivo de sua missão: "Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Marcos 10.45). Como mostrei no meu velho texto Agnus Dei, a mesma ideia está claramente implicada na simples declaração de João Batista ao se encontrar com Jesus pela primeira vez: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (João 1.28), pois a função do cordeiro na lei cerimonial judaica era precisamente a de ser morto em lugar do pecador, prefigurando assim a então futura obra do Salvador. Paulo se apropriou desse paralelo ao dizer que "Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado" (1 Coríntios 5.7), e expressou o mesmo conteúdo ao declarar que "nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho" (Romanos 5.10). Também o fez João em sua epístola, ao aplicar a Cristo um termo técnico do ritual judaico, a propiciação: "Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados" (1 João 4.10). Mas quem mais aprofundou as implicações dessa analogia foi o autor da Epístola aos Hebreus, especialmente ao discorrer sobre o ofício sacerdotal de Cristo em contraste com o dos antigos sacerdotes (9.11-15): "Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso mesmo, ele é o mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados."
Não há espaço suficiente para citar todas as passagens bíblicas relevantes, mas são profundas e estupendas as implicações dessa revelação. Paulo nos diz que "há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos" (1 Timóteo 2.5); essa mediação significa que "aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus" (Colossenses 1.19-20). Mas, se é por meio da morte de Cristo que somos reconciliados com Deus, seguem-se duas coisas. A primeira é que é pela fé em Cristo e sua obra na cruz que somos salvos. Isso é asseverado diversas vezes no Novo Testamento, como na corajosa resposta de Pedro e João ao Sinédrio, tal como se encontra em Atos 4.12: "abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos"; ou nas exposições feitas por João em seu evangelho: "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome" (1.12); "Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. [...] Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus." (3.17-18,36)
A segunda implicação é que, se é pela obra de Cristo que somos reconciliados com Deus, então não é por nossas próprias "obras mortas", como é dito no trecho supracitado de Hebreus. Convém que, ao entrar na presença de Deus, deixemos de lado todos os nossos pretensos méritos e confiemos nos méritos de Cristo, que nos são oferecidos gratuitamente. É o que nos diz Paulo de diversas maneiras, como na famosa sentença de Efésios 2.8,9: "pela graça sois salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie". O mesmo tema é aprofundado na Epístola aos Romanos, a mais bela exposição da graça de Deus já escrita. Em Romanos 3.19-26, por exemplo, Paulo explica o objetivo da lei, bem como da obra de Cristo, e diz quem será objeto da misericórdia do Senhor: "Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os que creem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus." Ser justificado significa ser declarado justo no tribunal de Deus, e recebemos esse privilégio ao depositar fé em Cristo. E é por isso que Isaías, pouco depois de profetizar o sofrimento vicário de Cristo, proclama o maravilhoso convite da graça: "Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite" (Isaías 55.1).
Estou bem ciente de que essa mensagem não soa bem aos ouvidos modernos. Na verdade, também não soava bem aos ouvidos antigos. A convicção universal da sabedoria humana sempre foi a de que nossos méritos, de alguma forma, são de importância decisiva na determinação da opinião de Deus sobre nós, e nunca fez sentido algum que Deus decidisse punir uma pessoa pelos erros de outra. Mas o evangelho sempre foi loucura aos olhos do mundo, como declara a apóstolo Paulo em 1 Coríntios 1.22-24: "Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, quanto os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios." A cruz de Cristo escandaliza o mundo desde os primórdios, e é por isso mesmo que a mensagem do evangelho tem eficácia salvadora para aqueles que creem. João viu diante do trono de Deus uma "grande multidão" composta pelos que "lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro" (Apocalipse 7.9,14). Enquanto este mundo existir, seus sábios se queixarão de que não é possível alvejar as próprias roupas lavando-as em sangue. Mas nós, que fomos batizados na morte de Cristo (Romanos 6.3), conhecemos o poder que esse sangue possui, e é por isso que não podemos deixar de pregar o escândalo e a loucura que vêm de Deus: que Cristo, embora não tivesse pecado, foi abandonado pelo Pai na cruz porque estava carregando o peso dos pecados de outros, ou seja, os nossos. Uma doutrina que não causa escândalo não pode salvar o mundo. Não sejamos como os judeus que se obstinaram na descrença, e de quem Paulo disse em Romanos 10.2-4: "eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento. Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê." Ponhamos de lado nossa justiça e sujeitemo-nos à que vem de Deus. Nesta época de Páscoa, Deus permita que se apliquem a nós as palavras finais da Epístola aos Hebreus: "Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém!"
O Antigo Testamento, mais uma vez, oferece o substrato necessário à compreensão da vida de Jesus. Este disse aos discípulos, em Lucas 22.37, que sua morte iminente era o cumprimento de outra passagem profética: "Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: 'Ele foi contado com os malfeitores'. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido." A passagem citada encontra-se em Isaías 53.12, o versículo final de um trecho que começa em 52.13 e descreve os sofrimentos de um personagem identificado como "o servo" do Senhor. Cristo afirmou, portanto, que essa é mais uma referência profética a ele mesmo. O texto de Isaías afirma também a pureza de Cristo, que "foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca" (53.7) e "nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca" (53.9). O texto descreve ainda, com brilho comparável ao dos salmos já citados, os sofrimentos de Cristo: "seu aspecto estava mui desfigurado, mais que o de outro qualquer" (52.14); "nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido" (53.4); "Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso" (53.3). Além disso, o texto menciona várias vezes, de modo muito explícito, a realidade da morte de Cristo: "como cordeiro foi levado ao matadouro" (53.7); "foi cortado da terra dos viventes" (53.8); "designaram-lhe sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte" (53.9); "derramou a sua alma na morte" (53.12). Mas a passagem não deixa de mencionar a posterior exaltação de Cristo, que já foi exposta no post anterior: "será exaltado e elevado e será mui sublime" (52.13); "causará admiração às nações, e os reis fecharão a boca por causa dele" (52.13); "verá sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos" (53.10); "Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito" (53.11); "Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo" (53.12). Devidamente analisada, essa passagem deixa clara a ressurreição de Cristo e a honra que recebeu do Pai após ter passado por sua morte humilhante, exatamente como está explicitado nas passagens já citadas do Novo Testamento. E o texto vai além, declarando precisamente aquilo que constitui a motivação principal desta postagem. Logo depois de asseverar a perfeita justiça de Cristo, Isaías afirma: "Todavia, ao Senhor agradou moê-lo" (53.10). É muito impressionante a maneira pela qual essa curta passagem profética sintetiza tudo o que foi dito até aqui.
Mas não citei todos esses trechos de Isaías 52 e 53 apenas para mostrar isso. O texto, na verdade, vai além, e revela, mais de uma vez, a motivação subjacente a tudo o que é descrito: "Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si" (53.4); "Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" (53.5); "o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos" (53.6); "por causa da transgressão do meu povo, foi ele ferido" (53.8); ele deu "a sua alma como oferta pelo pecado" (53.10); ele "justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si" (53.11); ele "levou sobre si os pecados de muitos" (53.12). A clareza e a abundância dessas afirmações são inequívocas: Cristo sofreu a punição por pecados que não eram os dele.
A teologia cristã deu a isso o nome de "expiação vicária", e aponta para ela como o meio pelo qual somos reconciliados com Deus. O próprio Cristo, mais uma vez, declarou que esse era o objetivo de sua missão: "Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Marcos 10.45). Como mostrei no meu velho texto Agnus Dei, a mesma ideia está claramente implicada na simples declaração de João Batista ao se encontrar com Jesus pela primeira vez: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (João 1.28), pois a função do cordeiro na lei cerimonial judaica era precisamente a de ser morto em lugar do pecador, prefigurando assim a então futura obra do Salvador. Paulo se apropriou desse paralelo ao dizer que "Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado" (1 Coríntios 5.7), e expressou o mesmo conteúdo ao declarar que "nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho" (Romanos 5.10). Também o fez João em sua epístola, ao aplicar a Cristo um termo técnico do ritual judaico, a propiciação: "Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados" (1 João 4.10). Mas quem mais aprofundou as implicações dessa analogia foi o autor da Epístola aos Hebreus, especialmente ao discorrer sobre o ofício sacerdotal de Cristo em contraste com o dos antigos sacerdotes (9.11-15): "Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso mesmo, ele é o mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados."
Não há espaço suficiente para citar todas as passagens bíblicas relevantes, mas são profundas e estupendas as implicações dessa revelação. Paulo nos diz que "há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos" (1 Timóteo 2.5); essa mediação significa que "aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus" (Colossenses 1.19-20). Mas, se é por meio da morte de Cristo que somos reconciliados com Deus, seguem-se duas coisas. A primeira é que é pela fé em Cristo e sua obra na cruz que somos salvos. Isso é asseverado diversas vezes no Novo Testamento, como na corajosa resposta de Pedro e João ao Sinédrio, tal como se encontra em Atos 4.12: "abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos"; ou nas exposições feitas por João em seu evangelho: "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome" (1.12); "Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. [...] Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus." (3.17-18,36)
A segunda implicação é que, se é pela obra de Cristo que somos reconciliados com Deus, então não é por nossas próprias "obras mortas", como é dito no trecho supracitado de Hebreus. Convém que, ao entrar na presença de Deus, deixemos de lado todos os nossos pretensos méritos e confiemos nos méritos de Cristo, que nos são oferecidos gratuitamente. É o que nos diz Paulo de diversas maneiras, como na famosa sentença de Efésios 2.8,9: "pela graça sois salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie". O mesmo tema é aprofundado na Epístola aos Romanos, a mais bela exposição da graça de Deus já escrita. Em Romanos 3.19-26, por exemplo, Paulo explica o objetivo da lei, bem como da obra de Cristo, e diz quem será objeto da misericórdia do Senhor: "Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os que creem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus." Ser justificado significa ser declarado justo no tribunal de Deus, e recebemos esse privilégio ao depositar fé em Cristo. E é por isso que Isaías, pouco depois de profetizar o sofrimento vicário de Cristo, proclama o maravilhoso convite da graça: "Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite" (Isaías 55.1).
Estou bem ciente de que essa mensagem não soa bem aos ouvidos modernos. Na verdade, também não soava bem aos ouvidos antigos. A convicção universal da sabedoria humana sempre foi a de que nossos méritos, de alguma forma, são de importância decisiva na determinação da opinião de Deus sobre nós, e nunca fez sentido algum que Deus decidisse punir uma pessoa pelos erros de outra. Mas o evangelho sempre foi loucura aos olhos do mundo, como declara a apóstolo Paulo em 1 Coríntios 1.22-24: "Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, quanto os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios." A cruz de Cristo escandaliza o mundo desde os primórdios, e é por isso mesmo que a mensagem do evangelho tem eficácia salvadora para aqueles que creem. João viu diante do trono de Deus uma "grande multidão" composta pelos que "lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro" (Apocalipse 7.9,14). Enquanto este mundo existir, seus sábios se queixarão de que não é possível alvejar as próprias roupas lavando-as em sangue. Mas nós, que fomos batizados na morte de Cristo (Romanos 6.3), conhecemos o poder que esse sangue possui, e é por isso que não podemos deixar de pregar o escândalo e a loucura que vêm de Deus: que Cristo, embora não tivesse pecado, foi abandonado pelo Pai na cruz porque estava carregando o peso dos pecados de outros, ou seja, os nossos. Uma doutrina que não causa escândalo não pode salvar o mundo. Não sejamos como os judeus que se obstinaram na descrença, e de quem Paulo disse em Romanos 10.2-4: "eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento. Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê." Ponhamos de lado nossa justiça e sujeitemo-nos à que vem de Deus. Nesta época de Páscoa, Deus permita que se apliquem a nós as palavras finais da Epístola aos Hebreus: "Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém!"