24 de julho de 2011

Reflexões nagelianas - parte 2

Já se passou mais de um ano e meio desde que publiquei minhas Reflexões nagelianas, um post composto de pensamentos curtos. Gostei da experiência, e desde então comecei a reunir outros pensamentos curtos, para ter o que publicar quando não houvesse tempo para escrever nada. Esse momento chegou, de modo que aqui vai a segunda edição. Como na postagem original, as reflexões estão agrupadas por temas.

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Percepções gerais sobre a vida

A qualidade de uma conversa é inversamente proporcional ao número de participantes. Essa não é uma lei universal, mas é uma tendência estatística.

Tolerância pressupõe firmeza de opiniões, ou seja, uma noção nítida sobre quais opiniões são corretas e quais são equivocadas. Não há nenhuma virtude em ser "tolerante" por mera ignorância, indecisão ou desinteresse acerca de uma questão.

Quando eu era adolescente, achava ridículo o senso de humor do meu pai. Ultimamente tenho constatado que o meu cada vez mais se parece com o dele.

O princípio de funcionamento do xampu anticaspa parece ser o de tornar o cabelo tão ruim que a cabeça se torna inabitável para os pobres fungos.

Quando as mulheres ocupam o lugar dos homens, os homens ocupam o lugar das crianças. Não necessariamente nessa ordem.

Teologias estranhas

A ira metodológica dos homens também não produz a justiça de Deus.

Nunca se deve chamar um interlocutor de "fundamentalista" para criticar ou desqualificar um de seus posicionamentos. Se ele for mesmo um fundamentalista, o qualificativo não terá, para ele, o efeito de uma crítica. E, se não for, será injustiça chamá-lo disso.

Há quem diga que o cristianismo é inerentemente obscurantista, já que, segundo a Bíblia, o pecado original consistiu em o homem desejar comer da árvore do conhecimento. As pessoas que sustentam isso são as mesmas que defendem que a verdade não existe e se deleitam com a ideia da impossibilidade de todo conhecimento.

Para os adeptos da teologia relacional, o Livro do Apocalipse não deve ser nada mais que uma declaração de como Deus gostaria que a história deste mundo terminasse, expressas de uma perspectiva realista, dadas as limitações do poder divino. Algo como uma declaração de metas, como aquelas que as empresas fazem periodicamente, assim como os políticos em época de eleição. E, o que é pior, não temos garantia alguma de que ele continua com os mesmos propósitos em mente depois desses dois longos milênios.

Eis o supremo historicismo: segundo os cristãos modernistas, quando o apóstolo Paulo disse "não vos conformeis com este século", estava se referindo apenas ao século I.

Socialismo

O socialismo é o melhor jeito de fazer caridade com o dinheiro dos outros.

Dizer que os males da presente sociedade justificam uma revolução é o mesmo que dizer que existem situações tão ruins que se torna justificável fazê-las ainda piores.

A semelhança entre os pensadores socialistas e os pais de crianças mimadas é que ambos ensinam seus subordinados (militantes e filhos, respectivamente) a conseguir o que querem por meio de gritarias e reclamações insistentes aos superiores (o governo no primeiro caso e os pais e adultos em geral no segundo). A diferença é que, enquanto o segundo grupo de educadores faz isso de maneira implícita e por vezes quase inconsciente, o primeiro o faz de modo explícito e deliberado, chegando a louvar essa atitude como sinal de maturidade e "consciência crítica".

O comunismo é como o diabo: sempre que possível, nega sua própria existência.

O regime cubano é o melhor do mundo: nenhum outro emagreceu tanta gente.

Gatos

Tenho três gatos que vivem contradizendo a tese marxista de que a abundância material determina as relações de poder, demonstrando que a realidade felina é reacionária: o Mel, que é enorme, vive apanhando do Chocolate, que tem um tamanho típico e que, por sua vez, vive apanhando do Chantilly, que é minúsculo.

Se o Chantilly é um gato filósofo antiplatônico, o Mel está mais para um vidente esotérico, detentor do poder de previsão do futuro. Ele usa esse poder para adivinhar aonde vamos e ficar sempre, invariavelmente, no meio do caminho.

O Chocolate tornou-se um discípulo do Chantilly no esporte antiplatônico de perseguir sombras nas paredes - e, na verdade, superou o mestre na modalidade "sombras a mais de um metro do chão". Contudo, sua filosofia de vida tem aspectos inovadores. O principal é: "tudo o que consigo mover é um brinquedo; tudo o que não consigo mover é um arranhador".

Os gatos são animais neopuritanos: eles não permitem que seus donos tenham árvore de Natal em casa.

Os gatos são um meio de graça pelo qual Deus nos incita à santidade, em especial no que diz respeito ao desapego dos bens materiais.

Intelectuais

Chesterton é o melhor escritor no quesito "sensibilidade às virtudes de seus oponentes".

A leitura de Quem sou eu e o que penso, a pouco convencional autobiografia do dramaturgo irlandês Bernard Shaw, me deixou algo entristecido. O motivo é que o autor tinha noventa e dois anos ao escrevê-la. Fiquei consternado ao ver que uma pessoa tão talentosa pôde chegar a uma idade avançada tendo adquirido tão pouca sabedoria.

Guardo em algum lugar de minha mente a impressão de que, se Kant escrevesse bem, expondo com clareza o que pensava, jamais teria se tornado um filósofo influente. É sua falta de habilidade didática e literária que o faz parecer um pensador profundo.

"Concluímos, pois, que o cristianismo não permite a coerência entre a doutrina e a vida de seus adeptos", arrematou triunfante o funcionário público anarquista.

Pluralidade de ideias, no presente contexto acadêmico, significa apenas isto: uma única ideia presente em um número plural de cabeças.

Os libertários que protestam contra a terrível e egoísta tirania dos pais sobre os filhos são os mesmos que garantem às mulheres o direito de abortar seus bebês caso não queiram engordar um pouquinho.

Professores

A batalha cultural anticapitalista está ganha quando até a livre iniciativa econômica precisa do estatismo para se justificar. Que o diga um professor meu, que outro dia apareceu com esta: "Não entendo por que tem tanta gente reclamando quando uma empresa lucra muito. Quando me dizem isso, eu respondo que devia lucrar muito mais, porque com isso aumenta a tributação e sobra mais dinheiro para o governo fazer obras sociais para o povo."

Depois de falar sobre a importância de nos portarmos com decência e discrição no ambiente em que estávamos (quanto ao vestuário, por exemplo), a professora explicava que devemos "valorizar as diferenças", pois essa é a única forma de evitar o preconceito no trato com mulheres, negros e gays. Um dos alunos, sem discordar da professora, observou que também é importante que os portadores das referidas diferenças não as ostentem de maneira demasiado espalhafatosa. Uma aluna discordou, argumentando que, se uma pessoa se porta dessa forma por ser esse o "seu jeito", é discriminatório exigir dela que proceda de outra forma. Outro aluno fez a sábia consideração de que, se estamos autorizados a proceder de maneiras inconvenientes e chocantes por ser esse o nosso jeito, não há bases para proibir comportamento algum - inclusive o vestuário indecente que fora proibido minutos antes. De modo que, sim, deve-se exigir dos pretensos "discriminados" que adotem posturas mais sóbrias. A professora então retomou a palavra e disse que o verdadeiro foco da questão fora desviado pela discussão, e que o importante é que aprendamos a respeitar todas as pessoas sem dar muita atenção às categorias de raça, gênero e opção sexual, dentre outras. Foi então que compreendi estar diante de uma nova e inusitada aplicação da novilíngua: ao dizer que devemos valorizar as diferenças, a professora estava, na verdade, querendo dizer que não devemos dar-lhes importância alguma; de preferência, que fizéssemos de conta que elas nem existem. E assombrei-me, uma vez mais, diante da capacidade que tem o discurso politicamente correto de dizer sempre o contrário do que quer dizer.

Um professor meu proclamou durante uma aula: "Eu não tenho religião, nem partido político, nem time de futebol. Se quero me casar com uma mulher, não peço autorização, nem ao padre, nem ao juiz". Havia em suas palavras um notório tom de orgulho por pertencer a uma seleta minoria que está acima das crenças e tabus do populacho. Ocorreu-me, naquele momento, que essa ilusão de autodeterminação é justamente a característica comum de nossa época: quem se pretende independente e capaz de pensar de modo diferente e autônomo está apenas pensando como todo mundo pensa hoje em dia, de modo que essa é a melhor maneira de ser só mais um no meio do populacho. Mas tive apenas uma fração de segundo para pensar tudo isso, pois logo minha conclusão foi brilhantemente confirmada e sintetizada no plano simbólico por um colega, que gritou do fundo da sala: "Ei, professor, isso aí que o senhor disse daria uma boa letra de pagode".